A PAIXÃO DE SATANÁS

                      A PAIXÃO DE SATANÁS ( II )

         

         Satanás, humilhado por sua ignorância em corrupção política, no inferno chamada de SUPERMAL, e em administração de penitenciárias, quis fazer um doutorado no Brasil, o país mais caótico do mundo nessas matérias, mas à entrada de uma penitenciária recuou, de pavor. Viu-se em perigo.

           Teria que se disfarçar para poder assistir, a salvo, aos incríveis espetáculos dos presídios e penitenciárias do Brasil, rivais midiáticos dos espetáculos humorísticos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Foi o que fez. E no Congresso Nacional foi a felicidade, porque ele tanto ouvia os discursos dos congressistas, como lia o que pensavam. Os discursos eram só altos ideais. Os pensamentos eram só vis falcatruas.

    As simulações e dissimulações daquela turma não iludiam Satanás, e ele ria até a convulsão, assistindo às sessões do Congresso Nacional. Mas parou de ouvir os discursos das tribunas. Deliciava-se ouvindo o que, ao pé dos ouvidos, conversavam Suas Excelências, confidencialmente, hábito dos honoráveis peagadês em maldades sub-reptícias, que poriam no chinelo os diabos do primeiro ao quinto escalão do inferno. Satanás caía em êxtase, vendo nos políticos comediantes de escol, desses que, seríssimos, produzem comédias irresistíveis.

      - Não, não! Eles querem me matar - exclamava Satanás, gargalhando com espasmos de cachorro atropelado.

       Segundo advertências psicografadas diretamente do inferno, feitas por demonólatras e satanólogos além-túmulo, Satanás ia invadir o Brasil, para conhecer o país responsável pela superlotação dos seus domínios e, humildemente, aprender o SUPERMAL, praticado por aqui com inigualável eficiência.

      Veio ao Brasil disfarçado de padre, com o que evitaria os perigos do seu aprendizado: padre Demócrito dos Santos, angelical, doce de enjoar, quase levitando de bondade.

    Às vezes se apresentava como Monsenhor: Monsenhor Demóstenes Cristóvão, circunspecto, tão mergulhado em orações que era inacessível, naquela beatitude absoluta.

    Ou, para se divertir satanicamente, até como embaixador da Santa Sé: Comendatori Demófilus Sanctorum, solene ao extremo, impecável no cumprir as formalidades diplomáticas, irrepreensível na elegância dos gestos e salamaleques da diplomacia, sobretudo no beijar as mãos das mulheres e fazê-las sentirem-se belas, inteligentes e irresistíveis.

    Todos angelicais, sem aqueles cavanhaques mefistofélicos e com os chifres aparados. Olhava-se ao espelho, de batina, e ria que ria. Mas discretamente, para não provocar a ira do Paizão lá de cima.

      Quando descobriu o Brasil era um neófito em SUPERMAL, e jamais imaginara o quanto se divertiria, conhecendo o país mais intimamente, com o seu surrealismo e as suas idiossincrasias.

    Entrando para orar numa penitenciária do Norte, após uma rebelião com 28 mortes por decapitação, concentrou-se interessadíssimo numa disputa de embaixadinhas entre reclusos de duas facções.

     - Trinta... trinta e uma... trinta e duas... - Contavam em uníssono centenas de presos, no pátio da penitenciária.

    As bolas eram as cabeças dos decapitados, petrificadas em caretas horrendas. Olhos arregalados, bocas engraçadíssimas.

      Satanás foi ao delírio. O vencedor fez mais de cem embaixadas e foi aplaudido em todas as celas, com um estardalhaço de dez Maracanãs. Pertencia à facção TJMG ( TAMO JUNTO MINAS GERAIS ), principal adversária da TJRJ ( TAMO JUNTO RIO DE JANEIRO ), só suplantada pela TJSP ( TAMO JUNTO SÃO PAULO ).

    Satanás ousou, então, fazer um périplo pelas assembleias e câmaras municipais de todo o país. Saiu duma Câmara Municipal do Nordeste em êxtase. Não acreditava no que descobriu dos vereadores, telepaticamente. Quase entrou em coma, de tanto rir.

   - Não é possível! Estou sonhando! - gritou ele, na sua batina de Monsenhor. Monsenhor Beatínio da Cruz. Nunca se sentiu tão feliz e realizado.

    - Nada a acrescentar a esse povo admirável - ponderou com um paternal orgulho, depois de visitar as assembleias e câmaras de vereadores do Norte e Nordeste.

   E Satanás se apaixonou perdidamente pelo Brasil.

                                   

                                         A EMBAIXADA DE SATANÁS ( III )


           O Imperador Satanás, em reunião com os diabos da Corte, no auditório do Ministério da Segurança Demográfica, explicou que um país como o Brasil, responsável pelo superpovoamento do inferno, exigia uma embaixada em Brasília, com um embaixador da sua absoluta confiança, de preferência um senador da quarta dimensão da corrupção política, desses condenados por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação para o crime.

- A invenção do caixa três e da quarta dimensão da corrupção - discursou o Imperador -, são uma prova do brilhantismo dos políticos brasileiros, exibido espetacularmente para a História, no saquearem todas as empresas estatais do país. O meu embaixador em Brasília criará o Consulado Infernal, para solucionar a nossa questão demográfica. Combinará com as igrejas que os pequenos pecados serão resolvidos em vida, mesmo, para evitar a superlotação do inferno e o contágio dos políticos. Contágio que transformará pequenos criminosos em campeões do crime. É o câncer criminógeno, que ataca o Brasil há mais de quarenta anos, sem solução. Porque a solução exige coragem, dom ausente nos políticos do país, que só têm coragem para a prática do seu esporte radical, que é a gatunagem nos cofres públicos; as acrobacias nos trapézios da corrupção; e as mágicas que fazem desaparecer bilhões de reais do tesouro nacional, aos olhos perplexos dos cidadãos. Meus queridos, o Brasil me enche de alegria! Nunca antes, de Adão para cá, vi tanta trampolinagem! Ah, Deus é pai! Bendito o dia em que descobri o Brasil!

- Que orador! - Exclamaram os puxa-sacos da esquerda infernal.

- Quanta sabedoria! - Gritaram os puxa-sacos da direita.

Aplausos gerais ecoaram no auditório do Ministério. A proposta do Imperador foi aprovada por unanimidade. Foi aplaudido de pé, e as louvações se estenderam até Satanás suplicar que parassem.

E foi criada a Embaixada do Inferno, em Brasília.

- Terá que ser secreta, para ser eficiente - instruiu o imperador. - Eficiente, para dominar psicologicamente os deputados e senadores. Revolucionária, para levar o povo a pressionar diabolicamente o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Assembleias Legislativas e todas essas maravilhosas Câmaras de Vereadores do país! Quanto mais confusão, melhor para os desígnios infernais.

- Quanta sabedoria, meu Deus! - Admirou-se o arcanjo Mefistófeles, guru ideológico da esquerda infernal.

- Esse é o cara! - Proclamou o arcanjo Lúcifer, da direita do capitalismo selvagem.

As ânsias de aprendizagem dos membros do Corpo Diplomático atingiam o paroxismo, e no inferno as nomeações para Brasília eram a mega-sena dos diabos em geral.

Em Brasília ninguém estranhou o trânsito dos diabos pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Nada de novo para os frequentadores das duas casas.

Satanás foi informado, por um diabo do Corpo Diplomático, que a criação da embaixada infernal em Brasília foi muito oportuna.

- Por quê? - Indagou o Imperador.

- Porque, ó Alteza, o Congresso Nacional está em transe, com o julgamento do impeachment da presidenta.

- Impeachment de quem? - Indagou Satanás.

- Da presidenta - respondeu o diabo.

- Que presidenta, ô besta! - Corrigiu Satanás. - É presidente, porra! A presidente não é a dirigenta do país, é a dirigente. Ela não é a representanta do país, é a representante! Já vi que vai ser cassada, e com ela o substantivo presidenta, também! Eu sou a favor da cassação! Por Deus, pela minha família e pelo povo, eu sou a favor! - Berrou Satanás.

- Calma, Imperador... - suplicou o diplomata. - Nossa Senhora, nunca vi Vossa Alteza assim tão alterado... Santo Deus!

Os diplomatas de Satanás eram os mais entusiastas fãs dos discursos dos deputados e senadores, aplaudindo-lhes ruidosamente até as pausas para beber água. Mas aquilo provocou a ira do Imperador. Aquele caleidoscópio de maldades sub-reptícias punha os diplomatas infernais em delírio, e os expunham aos olhos perspícuos dos presidentes das duas casas, mestres em fenômenos parapolíticos e metafinanceiros da psicologia do Congresso Nacional. Satanás ficou furioso.

- Menos, menos! Querem ser descobertos? Dissimulem as suas emoções! Dissimulem as suas intenções! Façam como eles: dissimulem, suas antas!

O Diabo-Chefe da missão diplomática do inferno, gaiato ao extremo, na hora da votação do Senado apresentou-se como deputado federal, e se divertia até a loucura, gritando " Foi golpe! Foi golpe! Foi golpe!"

Mil súplicas lhe foram feitas para que parasse com aquilo, em vão. De que partido é esse deputado? - Indagavam todos, sem resposta.

- Foi golpe! Foi golpe! Foi golpe! - Repetia o Diabo-Chefe até perder o fôlego. Mas parecia que tinha sete fôlegos, como os gatos.

- Foi golpe! Foi golpe! Foi golpe! - Repetia, perturbando a votação, que já fulminava a presidenta. - Foi golpe! Foi golpe! Foi golpe! - Gritava, tresloucadamente.

- Isso é possessão demoníaca! - gritou um pastor evangélico.

- É, é mesmo! - Concordou um padre católico.

- É caso de exorcismo, sem dúvida, sentenciou o pastor.

- E rápido - exigiu o padre - porque esse fanático está avacalhando o julgamento!

- Não foi à toa que o Senado trouxe de Roma o maior exorcista do mundo - ponderou o nobre presidente do PCC ( Partido do Comando do Capital ). - Tá todo mundo possuído pelo demônio!

Travou-se então o maior combate da História das Religiões, entre um exorcista e o diabo.

- Sai, bode infernal! Sai do corpo deste cristão! - Gritava o exorcista. - Sai da alma deste cristão, maldito! Vade retro, Satã, tu que és amaldiçoado por Deus!

Gritava em latim clássico, girando os olhos diabólicos, e os deputados em volta faziam caras e bocas interrogativas.

- Será que está xingando a gente, também? - Perguntou um dos protagonistas da Lava-Jato, tremendo de medo.

O gaiato Diabo-Chefe se engasgava de tanto rir, fazendo da cabeça uma girândola de olhos vermelhos, cuspindo no exorcista e xingando impropérios enigmáticos, em grego e aramaico, com aquela rouquidão tenebrosa.

Mas o exorcista era o campeão do mundo, e xingava o diabo com impropérios que nem o tribuno Cícero, nem os poetas Virgílio e Ovídio conheciam. Os olhos do Diabo-Chefe, vistos de perto pelo exorcista, exibiam terríveis cenas infernais, como as do Inferno de Dante.

De repente o Diabo-Chefe emudeceu, olhos arregalados no exorcista, com as cenas infernais apagando-se, para alívio do campeão. Dez minutos depois o maior exorcista do mundo, com o orgulho de um supercampeão olímpico, deu o diabo por devolvido ao inferno.

- Finalmente! - proclamou aliviado. - Finalmente, ó Deus!

Mas levou um susto mortal.

- Foi golpe! - De repente gritou o gaiato Diabo-Chefe, com o vozeirão ainda mais apavorante. - Foi golpe! Foi golpe! - Repetiu. E nos seus olhos se acenderam as sete cores do arco-íris. Cores se revezando, num feérico pisca-pisca, fenômeno que só ocorria nos momentos de suprema felicidade dos diabos. - Foi golpe! - Trombeteou, soltando labaredas pela boca, uma espécie de orgasmo diabólico. E passou a ter orgasmos múltiplos.

O exorcista implodiu.

Sem pernas, desabou como um saco vazio.

Com a palidez da morte.

Foi um arrepio geral de terror. Deputados correram para os banheiros, mas nenhum conseguiu chegar em tempo.

- Mais uma cagada geral - comentou um jornalista.

- O maior exorcista do mundo foi devolvido para Roma num jatinho, pago pela empreiteira Odebrecht. Controlando-o, revezavam três psiquiatras, pagos pela Andrade Gutierrez. Em Roma foi internado no melhor hospital psiquiátrico da Itália, pago pela Camargo Correa.

Na Câmara dos Deputados as três empreiteiras ganharam vinte e cinco belos e emocionados discursos de gratidão, pelos socorros prestados.

- Esse Congresso Nacional é uma delícia! - Murmurou o Diabo-Chefe em êxtase, com os olhos revezando as sete cores do arco-íris e soltando pela boca labaredas bailarinas, aquelas dos orgasmos múltiplos.

Como Satanás, todos os diabos do Corpo Diplomático se apaixonaram pelo Brasil.

O Eixo Monumental de Brasília, antes Paraíso da Terra, foi elevado a Paraíso da Terra e do Inferno. E foi assim que a Embaixada do Inferno fincou pés para sempre, em Brasília.

Zaidan Baracat

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