A TRAGÉDIA DAS MÃES

                                                    UMA TRAGÉDIA DAS MÃES

  •    Helena pegou o revólver do seu irmão e lhe deu dois tiros no peito. À queima-roupa. O irmão se curvou, gemeu e caiu à sua frente, como se fosse beijar-lhe os pés. Mas sangrou, chorou e morreu, ao lado da mãe aterrorizada. E não foi em legítima defesa, pois foi depois de ouvir a mãe chorar, longamente, ferida e no chão, com o sangue escorrendo da sua boca. Um choro de quem, exausta de tanto sofrimento, queria morrer.
  •    Helena era uma moça tímida, católica de não perder missas e procissões. Quem a conhecia não acreditou na notícia. No Tribunal do Júri o seu advogado repetiu a introdução de todas as suas defesas por crime de homicídio: - Ninguém está livre de matar alguém. Nem Sua Excelência, o Meritíssimo Juiz, nem o digno Promotor de Justiça, nem os nobres jurados. Há armadilhas da vida que valem por uma ordem fatal: a de matar. Uma dessas armadilhas capturou Helena, e o fratricídio aconteceu.
  •    O desespero da abstinência, por falta de dinheiro, levou Jonas a exigi-lo da sua mãe, para comprar cocaína. Quando acabou o dinheiro, a mãe passou a vender suas joias, depois as peças da sua cristaleira, e finalmente as suas roupas, até que nada lhe restou para vender. Foi quando o filho, sob o domínio da síndrome, passou a bater nela, para extorquir-lhe mais dinheiro. A mãe, defendendo-se dele como podia, lhe suplicou um dia que parasse de bater nela, com palavras que enlouqueceram Helena.
  •    - Se eu pudesse, meu filho, eu virava cocaina! Virava um monte de cocaina, pra você me consumir duma vez! Pra você não ficar desse jeito, me matando dia a dia...
  •    - Sim, senhores jurados - disse o advogado. - Foram dois tiros no peito, e à queima-roupa. Quando Helena, chegando ali, viu sua mãe caída no chão, com a boca sangrando, chorando e murmurando que queira morrer, já não era Helena. Todos os demônios do ódio tomaram conta dela, enquanto erguia a mãe do chão, e lhe beijava o rosto.
  •    - Foram dois tiros no peito, e à queima-roupa, para pôr fim ao martírio da mãe. E também para pôr fim àquela sua angústia insuportável!
  •    - O julgamento pelo júri pode ser um chanchada ou um espetáculo cívico de alto nível, dependendo dos protagonistas - ponderou o advogado ao Conselho de Sentença. - O que há de belo no Tribunal do Júri é que os jurados, soberanos, podem julgar até contra a lei, quando razões superiores impõem uma superior justiça.
  •    No julgamento o advogado, mal contendo a emoção que o dominava, por uma profunda empatia, contou a história do crime, suas causas e suas repercussões em Helena, suplicando a sua absolvição. Os jurados decretaram a absolvição por sete a zero. Quando a sentença foi lida pelo juiz, a plateia se levantou e aplaudiu de pé a absolvição de Helena. Contra os enérgicos apelos de ordem, feitos pelo juiz. Um fato raro nos anais da Justiça Criminal.
  •    Na saída do fórum, após os abraços dos parentes de Helena, uma pergunta dominou a mente do advogado: quantas mães sofrem a mesma tragédia, dia a dia, mês a mês, ano a ano? E ele respondeu para si mesmo: são milhares, certamente.
  • Mais de trinta anos depois a pergunta foi por ele repetida aos jurados dum julgamento por homicídio, no qual fora a mãe que, no auge do desespero, matara o filho enlouquecido pelos tóxicos.

  • - A esta altura - indagou o criminalista -, já no início do século vinte e um, quantas mães ainda sofrem essa tragédia, dia a dia, mês a mês, ano a ano? Já não são milhares, meus senhores. São milhões, certamente, nos quatro cantos do mundo. São milhões, senhores do Conselho de Sentença! Para vergonha da humanidade!
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