O MARIDO DE GIRANDOL

CONTOS IMPUBLICÁVEIS - 3 ( Falando sério: vamos sorrir? )

O MARIDO DE GIRANDOL

    Girandol era um bailarino de espantosa virtuosidade, senhor absoluto do palco e da plateia do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, mas tendo impressionado os expectadores de aquém e além mar, jamais conseguiu ser levado a sério por seu marido Androceu.

    - Ai! - Suspirou Girandol, certo dia. - Viva a Lei Rouanet! Meu sonho vai ser realizado! Sabe por quem? Pelo Chico, pelo Gil-Gil e pelo Caetê. Vão descolar um financiamento da Lei Rouanet! São vinte milhões, para eu realizar o meu sonho: o show GIROLANDO.

     Androceu, uma vez mais, não o levou a sério.

    - Chico do Lula, Gil-Gil e Caetê Meloso? Pra você? Sem essa, Borboleta.

   Quando Girandol, verticalíssimo, hirto e de pernões colados subia do chão lépido, fazendo com os pés mil firulas, Androceu, com a sua imaginação mórbida, aumentava-lhe absurdamente a impulsão, fazendo-o subir e desaparecer nas alturas, como um foguete interplanetário.

 Quando dos giros sublimes de Girandol, Androceu imaginava a sua partner a travá-lo abruptamente, acertando-lhe um chute de peito de pé na trouxa frontal, com a violência do goleiro que põe a bola lá na frente do gol adversário.

   Quando o extraordinário bailarino girava dum extremo ao outro do palco, magnífico, cruzando-o em diagonal das gambiarras ao fundo, Androceu imprimia-lhe uma incrível força inercial, de modo a fazê-lo continuar girando portas, teatro e cidade afora.

  - Você não leva o balê a sério, maldito - queixou-se Girandol. - É indigno de mim. Como sacerdotisa de Terpsícore, não permitirei jamais que você continue a rir assim, convulsivamente, nos mais sublimes momentos meus, como aconteceu hoje, no Lago dos Cisnes, e ontem, no Quebra Nozes.

   Androceu reagiu na base da gozação.

   - Ah, é? Quer brigar? Pois vamos lá, Bor-bo-le-ta!

   E foi aí que se iniciou a mais extraordinária batalha conjugal de que se tem notícia na Segunda Vara da Família do Rio de Janeiro, que Girandol adorava invocar, nas suas reclamações às colegas do municipal:

   - Ai, minha filha, hoje entrei novamente na Vara, aquela varona da família...

COMENTÁRIO

Esse pequeno conto é um dos muitos escritos por DEMÉTRIO, personagem do conto A GLÓRIA DE DEMÉTRIO, do livro O HOMEM QUE BEBIA RAIOS DO SOL. São contos que ele, implacável crítico dos seus textos, interrompia, julgava impublicáveis e jogava no lixo.

Entretanto, depois de jogar o conto no lixo, DEMÉTRIO sentiu um brutal remorso, como se tivesse matado Girandol e Androceu, dois entes queridos.

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