BETH E BETHÂNIA

                                                      BETH E BETHÂNIA

   Em 1957 Elizabeth era filha da patroa e Ana Maria filha da cozinheira. Moravam em Niterói e Elizabeth dava aulas de português para Ana Maria terminar o ginásio. Dava-lhe também suas roupas, para que pudessem frequentar juntas os clubes da cidade.

   Em 1967 Ana Maria era garota de programa da luxuosa boate Assírios, no Rio de Janeiro, e ensinava a Elizabeth como tratar os homens como garota de programa. Eram Beth e Bethânia. Uma inversão em suas vidas. Elizabeth, antes, extorquia dinheiro do pai para dar para Ana Maria. Em 1967 Ana Maria extorquia dinheiro dos clientes, para dar para Elizabeth. Antes Elizabeth dava jóias para Ana Maria impressionar as colegas, nas festas do ginásio. Agora Ana Maria ensinava Elizabeth a cobrar dos clientes, agradando-os da boate à entrada nos hotéis, e da entrada até o beijo da despedida.

   - Beijo na boca? Eu, eim?

   - Beijo de mãe, sua boba. Na bochecha.

   O pai de Elizabeth falira como comerciante de Niterói, e a sua família conheceu a tragédia da pobreza. Em 1968 Elizabeth não conseguia emprego no Rio, porque não tinha experiência de qualquer profissão. Foi quando procurou Ana Maria. Custou, mas a achou. Achou-a trabalhando na boate Assírius. Maravilhosa boate da avenida Rio Branco, com as paredes forradas de veludo vermelho, espelhos com molduras douradas e estátuas de guerreiros assírios. Ali dentro só havia mulheres bonitas, elegantes e educadas. E tanto BETH como BETHÂNIA eram bonitas.

   Na noite da estreia de Elizabeth como garota da Assírius, ela tremia de medo de fracassar, estranhando-se com as roupas de guerra de Ana Maria.

    - Aperta na bunda, nas pernas, Aninha. Como é que você aguenta essa armadura?

   Custou para Elizabeth ganhar coragem para a estreia. Até que num fim de noite dançou com um holandês que tagarelava em espanhol, saindo com ele para o hotel. Arrastava-se como uma Antonieta para a guilhotina.

   Ana Maria tinha tudo para fracassar na noite, mas venceu, e venceu de modo surreal, espantando Ana Maria. Venceu pelos invencíveis motivos que tinha para fracassar.

   Nos encontros do corpo do cliente com o dela, Beth se arrepiava toda, tinha estremeções. O cliente sentia na pele de Beth os pelos e os poros eriçados, os poros como pequenos vulcões prestes a entrar em erupção.

   - Nossa, essa Beth é dos rins quentes, cara! - Exclamou o primeiro cliente com seus amigos, encantado.

   - Nunca vi um tesão desse tamanho! - Exclamou o segundo cliente, com a Beth já agendada para o noite seguinte.

   Com os seus muitos clientes BETH sempre teve a mesma reação, despertando os mesmos comentários. O que era aquilo?

   Era uma reação alérgica. De incontrolável aversão, de repugnância atroz, que Elizabeth procurava disfarçar, mas quanto mais tentava, maior era a resposta do seu corpo. Um não absoluto. E mais entusiástica era a reação dos clientes, julgando-se cada um deles um gajo irresistível, de sensualidade brutal, um supermacho.

   Beth e Bethânia, sentadas à mesa da Assírius, riam às gargalhadas, riam de chorar e engasgar, totalmente alheias à música da boate e aos dançarinos, contando uma para a outra as suas estapafúrdias aventuras de alcova, nos mais luxuosos hotéis do Rio de Janeiro, uma cidade que as duas amavam.

   Nas ruas e nas praias andavam de mãos dadas. Uma era irmã, mãe e filha da outra, conforme as circunstâncias. Em Niterói Beth foi mãe de Bethânia. No Rio e na profissão, Bethânia era mãe de Beth.

   Na rua e nas praias eram irmãs, felizes, de mãos dadas.

   Mas numa das noites, quando iam pegar um táxi para voltarem para o apartamento de Ana Maria, três assaltantes interceptaram o táxi, o motorista reagiu, e três tiros foram disparados. Dois atingiram os ombros do motorista, e um acertou o peito de Elizabeth.

   O mundo de Bethânia parou.

   Ana Maria passou a odiar o Rio de Janeiro, não como uma cidade, mas como um só demônio, de mil faces. E passou a odiar também, com igual intensidade, a sua vida como garota da Assírius. Não aguentava mais. Os dias se arrastavam, e ela se arrastava pelos dias.Voltou para Niterói e para a sua mãe, levando aquela bagagem insuportavelmente pesada: a saudade inexorável de Elizabeth, a sua Beth de nunca mais.

   - Aninha, você precisa comer! - Suplicava a mãe. - Está magra, esquelética, Aninha. Olhe as suas olheiras, filha. Olhe-se ao espelho, Aninha!

   Aninha se olhava longamente ao espelho e o espelho, como o corvo de Allan Poe, lhe murmurava: nunca mais, nunca mais, nunca mais.

    Nunca mais seria feliz.

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