O PÊNDULO DE SATANÁS

Gegê era um anjo quinze dias, e quinze dias o demônio. Era uma usina de encrencas. Tinha na cabeça um arsenal incrível de exigências e reclamações. Átila não tinha Deus, para socorrê-lo, e buscou um colega da cidade vizinha. Precisava dum ombro amigo, um confidente, um conselheiro. Escreveu uma carta para um colega, quarenta e oito anos de advocacia, outro sobrevivente da classe, adversário terrível mas amigo leal. A carta era um pedido de socorro. Átila se sentia refém de uma mulher que já começava a desprezá-lo. Não mais caminhava, a não ser atrás de Gegê; não mais meditava, a não ser em Gegê; não mais fazia respiração, porque o ódio-amor por Gegê lhe apertava o peito, deixando-o sem ar.

"Meu amigo , socorro!"

" Caí numa enrascada. Conheci uma mulher..."

" Eu mesmo me dei o conselho que você me dará. Disse a mim mesmo, centenas de vezes: liberte-se dela! Um sábio conselho, mas libertar-me dela está além e acima de mim. Essa Gegê não é uma mulher, é uma penitenciária. Quem cai nos seus braços cumpre pena de reclusão. Em dez meses acabei me introvertendo nela, e agora só vivo para administrar as encrencas de Gegê, as imposições de Gegê, as traições de Gegê. Sou o prisioneiro de Gegê. Já não consigo extroverter-me dela e viver no mundo exterior dos mortais livres."

"Gegê existe exorbitantemente em mim.

Estou escravo no chão, e amo Gegê-rainha com paixão.

E a cada afronta de Gegê o imã redobra o magnetismo e eu vôo e me colo nela ainda mais. Temo que isso acabe numa ânsia de entrar por ela e me aninhar para sempre no seu útero, cárcere perpétuo, já que esse retorno ao útero já me está parecendo o máximo desejo erótico do homem.

Por que não abandono Gegê, numa suprema explosão da vontade, e me salvo?

Já arrolei trinta razões para me libertar de Gegê, todas elas sábias e inquestionáveis. Em vão. Contra elas trinta uma só se alevanta, indestrutível: a paixão.

E quanto mais me prendo nela, mais ela quer me soltar. E acho que já me trai, porque me humilha e me destroça sem o menor constrangimento.

Sou um inocente e cumpro pena de reclusão; amo a liberdade e me quero galé; ela me empurra pela goela abaixo a carta de alforria e eu lhe suplico a escravidão.

Assim, para nunca mais, sou o prisioneiro de Gegê.

E pensar que quando me separei da esposa me embriaguei de liberdade até o paroxismo. Ah, o êxtase alucinógeno de ser 100% livre nesse mundão sem Deus e, diabo livre, armado de poder e dinheiro! No entanto - ó encontro fatal! - foi no uso dessa liberdade que me uni a Gegê e me tornei escravo, e conheci o inferno, e pedi para Deus existir.

Sou leal a ela, e ela me é letal.

Gegê não é uma mulher. É um mar encapelado. E eu sou um barquinho a vela, que lutou e lutou para não adernar, mas que ao fim, estropiado, vencido, mergulhou nesse mar infernal, náufrago total e para sempre.

Existe uma palavra sua, que me salve ou pelo menos me console?

Espero por ela.

Do colega e amigo..."

O colega lhe respondeu com a sua experiência de quase meio século de batalhas forenses:

" Átila, o seu drama é de fácil diagnóstico. O difícil é a solução, que é a fuga da penitenciária. Você vai ter que serrar as grades, ainda que seja com os dentes, e saltar fora do cárcere, qualquer que seja a altura do tombo. Você, meu amigo, está nas garras do pêndulo de Satanás. Existem mulheres estimulantes, neutras e neutralizantes. Gegê é emblemática, como neutralizante. E você é emblemático, como vítima em potencial da depressão. Entre dois tipos assim o amor só pode acabar em tragédia. Surge entre eles o pêndulo de Satanás, que descobri aos trinta anos de advocacia. É que a mulher tipo usina de encrencas deprime o homem, e o deprimido exagera todos os sentimentos, inclusive o do amor, que se transforma em paixão. Aí entra em cena o pêndulo de Satanás. A paixão aumenta a depressão, que aumenta a paixão, que aumenta a depressão,que aumenta a paixão, e a vítima do pêndulo de Satanás, acorrentada nesse vai-vem letal, começa a falar em morrer. Madame Deprê dum lado e a hiperpaixão do outro, cada vez mais carregados do apelo mortal. Não há escapatória fácil, meu amigo. Nem antidepressivos de alto poder, porque você se gruda na mulher, que é o veneno, cada vez mais. Gegê é um cárcere abissal. O cilício da paixão é aniquilador. Melhor serrar as grades de Gegê e pular fora, meu irmão, que dos males e malefícios de Gegê o tombo é o menor."

RUA GORGULHO, 50, CENTRO - CARMO DE MINAS/MG
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