DEBATE NO CONFESSIONÁRIO

                                           DEBATE NO CONFESSIONÁRIO

    Os sexólogos e sociólogos mais antenados do Brasil estão assustados. Há incógnitas demais. Por exemplo: como resistir às tentações sexuais, agravadas pela webpornografia e o crescente fascínio da beleza? As mulheres com tão descomunal poder de fogo? Tudo nelas vem melhorando, com o apoio das cirurgias plásticas, das malhações, em suma: das recauchutagens gerais. O que era ruim fica bom, o que era bom fica ótimo.

      E os homens, como ficam?

     Em perigo.

     Alguns com os transístores e eletrodos do cérebro queimados e o fio-terra cortado.

     Antenor Libídio foi processado com base no art. 215 do Código Penal, por ter agarrado por trás e beijado doze vezes o pescoço duma mulher, num ônibus superlotado.

  Tremia de medo da condenação e das penitenciárias, onde as cabeças rolavam, rotineiramente. Não comia, nem dormia. Tinha pesadelos. Estava fraco e tendo alucinações.

    Quando um homem só vê abismo ao seu redor, o que faz? Apela para Deus. E se for ateu? Joga fora o ateísmo, salvo raras exceções. E lá foi Antenor Libídio para a igreja. E, na igreja, o confessionário foi um imã irresistível. Foi para ele como um robô, tropeçando nos bancos.

   - Padre, agarrei e beijei uma mulher à força. Minha cabeça mandava parar, mas os braços não obedeciam.

   - Meu filho, a carne é fraca mas a mente é forte. Ela pode comandar o corpo.

   - Discordo, padre. A carne é forte mas a mente é fraca. Ela não pode comandar o corpo.

   Travou-se um debate no confessionário que, de início, já apaixonou o vigário da paroquia. Ele fora o campeão absoluto de dialética e retórica do seminário, e adorava um debate.

   - Padre, a mulher estava de microssaia, costas descobertas, cabelos caídos nos ombros, e quando se virou pra mim, pra queixar do assédio, eu pirei de vez. A boca e os olhos pintados pediam abraços e beijos. Pediam não. Exigiam. Eu fui dando, e não consegui parar. A gritaria geral me assustou, eu saí do ônibus debaixo de pancada e lá fora, mesmo todo amassado, gritei o mais alto que pude.

   - Mas valeu, manesada!

   O padre estava embasbacado.

   - Meu filho, Deus vai te perdoar, mas o juiz... Você tinha que gritar o " valeu manesada?"

   - Padre, eu fui vítima da mulher! Ela tinha que sair de casa empetecada daquele jeito? Aliás, estou achando que Deus foi malicioso, quando criou a mulher. Depois foi irônico, ordenando não desejar a mulher do próximo, mas deixando a mulher do próximo passear na rua produzida pra matar.

   - Meu filho...

   - Fala, papai.

   - Olhe, você está num confessionário, ouviu?

  - Nossa Senhora! Escuto o senhor e vejo o meu pai! Mas padre não quer dizer pai? Estou adorando esse papo de pai pra filho. Meu pai nunca dialogou comigo sobre as coisas importantes da vida.

   - Meu filho, Deus não mandou a mulher ser provocante porque sabe que numa multidão de homens há sempre os psicopatas e os descontrolados. Ela pode ser bela, mas não pode ser provocante.

   - Pois é. E qual a pena da Justiça pra mulher que provoca a gente? Pernão de fora, essas coisas.

  - Mas nem todos os homens são psicopatas e descontrolados, meu filho. A maior parte comanda os seus instintos.

  - Ora, papai! Que culpa temos nós, psicopatas e descontrolados, se nascemos com esses defeitos? Para nós tem que haver o "recall": a gente é mandado pra Deus, consertado e devolvido pro mundo. Não merecemos a cadeia.

   - Vocês não vão para a cadeia, vão para os manicômios.

  - Papai, o senhor conhece os nossos manicômios? São piores que as penitenciárias. Nas penitenciárias a gente perde a cabeça, nos manicômios a gente perde a alma.

   O padre desistiu.

   - Meu filho, reze três padres-nossos de manhã e à noite, pelo resto da vida. Vá em paz, e não peque mais.

   - Meu Deus! - exclamou o padre. - Exagerei, a raiva me dominou. Pequei, ó Deus!

   Antenor Libídio saiu da igreja leve e em paz.

  Foi condenado a cinco anos de reclusão, mas ganhou a simpatia de Deus, certamente, e também a do vigário da paróquia.

   Porque cumpriu com resignação cristã a pena de reclusão, e foi cumprindo impecavelmente a penitência dos padres-nossos, sabendo Deus, omnisciente do futuro, que Antônio Libídio exalará o seu último suspiro com as palavras " ...e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal..."

   Não chegará a dizer "amém".

  Tentará desesperadamente concluir os três padres-nossos, fará um esforço brutal para, ao menos, gemer o "amém", mas a morte o impedirá, a morte cruel e implacável.

   Muitos anos depois o atual vigário da paróquia contou, do púlpito, o final da vida de Antônio Libídio.

  - Faltou só o amém. Seria a única falha de Antenor Libídio, em décadas de penitência - discursou o padre -, mas uma voz completou para ele o último padre-nosso.

  Uma voz que, caída das nuvens, cobriu a paróquia. E os paroquianos ouviram aquela voz inigualável, com um timbre maravilhoso, jamais ouvido no mundo.

   Uma voz que pôs todos de joelhos, encantados.

   A voz que disse AMÉM.

Zaidan

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