HOMENAGEM A NOSSA SENHORA

                                       HOMENAGEM A NOSSA SENHORA

   Em 1944 tive osteomielite nos dois joelhos, o que vulgarmente chamavam de "água nos joelhos", e um mês antes Maurício Junqueira, conterrâneo, tivera as duas pernas amputadas, por causa da mesma doença.

   Fui internado no velho hospital de São Lourenço, aos cuidados do grande médico Dr. Rafael Reis. Posso falhar na memorização, mas fiquei ali por quarenta dias e quarenta noites, sem parar de gemer e sem dormir. Foi absurdo o número de injeções que o Dr. Rafael me aplicou. E raspava a minha canela esquerda, cheia de pus, com uma talhadeira. E sem anestesia, que a certa altura eu já não podia tomar. O que gritei de dor naqueles dias não sei como meus pais suportaram. E nem sei, também, como meu pai suportou tantas despesas.

   Até que minha mãe, que morava atrás da igreja-matriz, teve a sua pior crise de desespero. Foi ao altar de Nossa Senhora do Carmo e lhe deu a maior bronca. Em árabe, e o árabe, para xingamentos, é a mais terrível das línguas.

   - Zanguei com ela mesmo - confirmou para o meu pai, e eu, gemendo de dor na cama, ouvi tudo.

   - Tô perdido! - exclamei.

   Mas dois dias depois a penicilina chegou ao hospital, e eu fui a primeira pessoa que foi salvo por ela, em São Lourenço, e talvez na região. Tomei a injeção à tarde, e no dia seguinte parei de gemer e comecei a dormir. Um fato que até hoje me comove.

   Minha mãe se tornou devota de Nossa Senhora do Carmo, com orações diárias de gratidão, e quando, mais velha, a devoção se tornou uma paixão, eu a repreendi energicamente.

   - Devoção é uma coisa, paixão assim é outra - eu lhe disse.

   - Isso é coisa nossa, cala a boca! - repreendeu-me.

  Um dia entrei na igreja e a vi ajoelhada, ao pé do altar de Nossa Senhora do Carmo, olhando-a com olhos apaixonados, como sempre.

   Não é possível - pensei, sorrindo.

   Ela me viu, e eu ainda sorria enquanto me aproximava.

   - Está rindo do quê? - Ela me perguntou, em árabe.

   - Estou rindo de vocês duas - respondi.

   Ela olhou para Nossa Senhora, e começou a sorrir, também.

   Simplesmente inesquecível.

                                                      ZAIDAN

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