DO TROVÃO AO MINGAU

                           DO TROVÃO AO MINGAU

    - Acordei com um trovão na cabeça... - murmurou o homem ao filho, entre gemidos, no leito do hospital - Um trovão...

   Voltou à inconsciência e morreu minutos depois.

   Não chegou a saber que o trovão foi obra da sua mulher.

   Como a tentativa de incendiá-lo fracassara, semanas antes, Benedita optou por dar-lhe um tiro na cabeça, enquanto dormia.

   Aí foi um sucesso.

   Benedita foi presa e absolvida no segundo julgamento do tribunal do júri da Comarca, por uma justiça baseada na piedade, e não no Código Penal. O Tribunal do Júri viu nela uma morta-viva.

   Os homens que espancam, torturam e humilham as mulheres precisam temê-las mais do que a lei Maria da Penha.

  Mas Benedita era do grupo classificável como o das mulheres violentas. Há o grupo das delicadas.

   Hortência era de uma delicadeza angelical.

   E era uma vítima submissa do marido grosseirão.

   O grosseirão chegou a apresentar a sua amante gostosona aos próprios filhos, na frente da sua casa, e Hortência assistiu ao espetáculo da janela do seu quarto. Era feia, e quase trinta anos mais velha que a gostosona. A autoestima de Hortência desabou.

   Foi quando uma ideia iluminou-lhe a alma.

   E a pôs de pé.

   Seduziu o marido comilão com um irresistível mingau, já que sexualmente, depois de sete filhos, o seu corpo já não o seduzia.

   Amável, punha-lhe boca a dentro colheradas do mingau, uma delícia, com um beijinho na testa, outro nas bochechas.

  Como a Hortência anda carinhosa... - pensava o brutalhão. Está me preparando: vai pedir um troço, na certa.

  Estava certo. Só que Hortência nada pediu a ele. Pediu ao vigário da paróquia. A missa do sétimo dia, do sétimo mês e do sétimo ano pela morte do querido esposo.

   Impressionou o vigário tão sofrida viuvez.

   O mingau tinha 10% de vidro moído, da mesma cor, que o maridão comia com alegre satisfação.

   Foi uma morte que só o abraçou após indescritíveis sofrimentos.

  No velório todos ficaram impressionados com a extrema delicadeza com que Hortência colocava flores sobre o defunto, com beijinhos na testa e orações ao alto.

   Não houve processo algum. Hortência estava acima de qualquer suspeita. Atualmente vive feliz, livre do seu algoz e de qualquer remorso. Afinal, sua consciência lhe diz que apenas se defendeu e fez justiça. Uma justiça maior que a da Lei Maria da Penha.

   Os homens que espancam, torturam e humilham as esposas têm que tomar muito cuidado.

   Sabem lá se a deles é tipo Benedita?

   Sabem lá se a deles é tipo Hortência? 

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